Urcamp realiza 1ª Semana da Consciência Negra com debates sobre memória, resistência e educação antirracista
A Urcamp abriu, na noite de segunda-feira, 17, a 1ª Semana da Consciência Negra, que segue até esta quarta-feira, 19, no Salão de Atos do Campus Central. Promovido pelos cursos de História e Pedagogia, com apoio do Grupo de Pesquisa e Extensão em Patrimônio Cultural, Identidade e Relações Étnico-Raciais e do Grupo de Trabalho em Ações Afirmativas, Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e Igualdade Étnico-Racial, o evento tem como tema “Memórias, lutas e ressignificações”. A programação busca ampliar o debate sobre a história e resistência do povo negro, combater o racismo e fortalecer práticas de educação antirracista dentro e fora da universidade — em um momento em que o país discute desigualdades históricas e a urgência de políticas afirmativas.
A abertura foi conduzida pela coordenadora dos cursos de História e Pedagogia, professora doutora Clarisse Ismério, que destacou a trajetória da universidade no enfrentamento ao racismo e na produção de conhecimento sobre relações étnico-raciais. Ela lembrou que o evento retoma ações iniciadas em 2018, com o primeiro Fórum de Cultura Afro-Brasileira. “Esta Semana é um momento de maturidade de tudo que a gente vem desenvolvendo. E, a partir de agora, vai ficar no calendário da Urcamp, com a participação de todos os cursos”, afirmou.
A assessora da Pró-Reitoria de Inovação, Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão, professora doutora Rosete Gottinari Kohn, reforçou o compromisso social da instituição. Para ela, a Semana da Consciência Negra representa a prática concreta da missão comunitária. “Nós não podemos nos furtar das questões sociais pertinentes ao desenvolvimento de uma sociedade justa. Não é teoria: precisa estar presente na prática, no diálogo e na vivência dos nossos acadêmicos”, disse.
Educação, racismo estrutural e protagonismos no pós-abolição
O primeiro convidado foi o professor doutor Rafael Sais, que apresentou o tema “Racismo estrutural na educação: diferentes desafios nos dias atuais”. Formado em Administração pela Urcamp e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), destacou a escola como espaço estratégico no enfrentamento ao racismo, embora ainda marcado por profundas desigualdades. Em sua fala, explicou o conceito de racismo estrutural com base em obras e interpretações consolidadas, abordando suas manifestações na linguagem, nas práticas cotidianas e nas estruturas escolares. Para o docente, compreender o tema é essencial para transformar realidades. “As pessoas precisam entender o que é racismo, como ele se manifesta e por que não vemos negros em espaços de decisão. Esta Semana da Consciência Negra nos convida a refletir sobre nosso papel enquanto sujeitos e futuros profissionais para construir uma sociedade diversa e mais igualitária”, afirmou.
Na sequência, o professor Tiago Rosa da Silva, mestre em História pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), apresentou a palestra “Pensando uma outra história de Bagé: protagonismos negros no pós-abolição”. Docente dos cursos de História, Pedagogia e Serviço Social da Urcamp e da Escola Carlos Kluwe, o pesquisador desenvolve estudos sobre associativismo negro, imprensa negra e clubes sociais no período posterior à abolição. Durante a exposição, Tiago explicou que Bagé contou, ao longo dos séculos XIX e XX, com uma população negra numericamente significativa, formada por trabalhadores, lideranças comunitárias e integrantes de organizações coletivas que atuaram em diferentes frentes, da cultura à política local. Ele ressaltou que esses grupos construíram redes próprias de sociabilidade e participação pública, influenciando debates e movimentos sociais do período. Segundo o professor, a promoção de eventos voltados à reflexão sobre a história negra contribui para ampliar o acesso a informações e estimular a análise crítica sobre a formação social do município. “Eventos como esse abrem espaço para um debate democrático sobre esses temas, principalmente considerando que a cidade teve uma escravidão significativa e intensas lutas políticas travadas por homens e mulheres negras”, afirmou.
Vivências, resistência e trajetórias de superação
A segunda noite da Semana, realizada na terça-feira, 19, trouxe a palestra “Lutas, vivências e histórias ressignificadas”, com Idê Scoto — formada em Fisioterapia pela Urcamp, artesã e sócia do Ateliê Pretas Pretinhas. Em uma fala marcada pela dimensão pessoal e política, ela compartilhou sua trajetória como mulher negra, mãe e militante.
Idê relatou sua experiência após o nascimento do filho Eduardo, diagnosticado com artrogripose múltipla congênita, e a luta contínua por tratamento adequado, incluindo idas ao Hospital Sarah Kubitschek, fisioterapia, equoterapia e outros atendimentos especializados. Também abordou episódios de preconceito, as dificuldades enfrentadas no ambiente escolar e a importância do acolhimento recebido na Escola Silveira Martins, onde batalhou por acessibilidade e pela conclusão do ensino médio do filho.
A palestrante destacou ainda sua decisão de ingressar na faculdade aos 42 anos e sua atuação política, incluindo a candidatura a vereadora em 2020 e, posteriormente, a fundação do Coletivo de Mulheres Negras Dandara’s, hoje com 23 integrantes. “É preciso mostrar aos jovens que, diante de uma sociedade injusta, devemos conhecer nossos direitos e lutar para que sejam respeitados”, afirmou. Ela enfatizou os desafios de ocupar espaços de destaque enquanto mulher negra e a centralidade do combate ao racismo, machismo, homofobia e violência doméstica.
Religiosidade e legado afro no Rio Grande do Sul
A 1ª Semana da Consciência Negra da Urcamp encerra nesta quarta-feira, 19, às 19h, novamente no Salão de Atos, com a palestra da jornalista e fotógrafa Ana Paula Ribeiro, egressa da Urcamp. Com o tema “Religiões de Matriz Africana e a construção do legado afrorreligioso no RS”, ela apresentará reflexões sobre a importância histórica e cultural das tradições afro, além de exibir o documentário “ORI – A cabeça é meu guia”.
Com três noites de intensa programação, o evento consolida uma agenda permanente de reflexão, formação e compromisso da universidade com a luta antirracista e com a valorização da cultura e da memória do povo negro.